Aventuras à moda antiga!

27-03-2018
Poster do filme "Indiana Jones e O Templo Perdido" (1984).
Poster do filme "Indiana Jones e O Templo Perdido" (1984).

Hoje, mais de 80% dos filmes alimentam-se excessivamente da tecnologia. Não sou contra o uso de efeitos especiais mas acho que se está a perder a essência de contar uma boa história. Onde está o espírito de aventura de Indiana Jones?

Para isso teria de introduzir Douglas Fairbanks, o Zorro e os primórdios do Cinema. Mas Fairbanks fica para outra crónica. Por agora, centro-me nos anos 30 e 40, a década de ouro dos filmes de aventuras e de capa e espada. Curiosamente, a grande fonte de inspiração para a criação de Indiana Jones de George Lucas e Steven Spielberg.

Não podia falar deste género sem mencionar dois atores que foram os responsáveis por impulsionar a febre da aventura no cinema. Ele, dispensando grandes apresentações, nada mais nada menos que Errol Flynn, o Robin dos Bosques, pirata, espadachim, aventureiro. Ela, Olivia de Havilland, a donzela em perigo, aventureira, convicta e corajosa! Não nos esqueçamos que Olivia foi também Melanie em E Tudo o Vento Levou.

O público batia palmas no cinema quando Flynn aparecia de espada em punho e empoleirado nos mastros dos navios piratas. Depois era o delírio total quando salvava a donzela e derrotava os vilões. 

Lembram-se da sequência de Os Gonnies em que Sloth está a ver um filme de piratas? Ou do galeão que aparece no final?

São referências a Errol Flynn. A primeira, um excerto do filme O Capitão Blood, a segunda, uma réplica do barco de O Gavião de Mares, outro filme bastante popular do ator.

Sloth vê o filme "O Capitão Blood" em "Os Gonnies".
Sloth vê o filme "O Capitão Blood" em "Os Gonnies".
Réplica do galeão usado no filme "O Gavião dos Mares" em "Os Gonnies".
Réplica do galeão usado no filme "O Gavião dos Mares" em "Os Gonnies".

Na minha geração não era Flynn mas Dicaprio que se empoleirava na proa de um navio com a Kate Winslet. É curioso como a História do Cinema se repete de formas subtis e contextos diferentes.

Mas não quero fugir ao tema e por isso regresso de imediato aos filmes de aventuras de Errol Flynn. De todos, o que mais marcou foi sem dúvida O Capitão Blood, o filme que impulsionou a carreira dos jovens protagonistas. Por isso e em jeito de homenagem, deixo aqui a minha crítica explicativa a esse filme notável, ainda hoje considerado por muitos, uma referência dos filmes de aventura. Apesar de ser um percursor, vou fazer um pequeno trocadilho e afirmar que é um filme "à Indiana Jones"!

Portanto, desembainhem as espadas, segurem firmemente as cordas dos mastros e icem a bandeira com as vossas cores. Preparem-se para a abordagem!

 O texto que se segue é retirado do meu livro: Cinema: História, Estudo e Notas, publicado em 2014 pela Chiado Editora.

O Capitão Blood é o filme de aventuras de capa e espada no seu estado mais puro. Todo o ambiente plástico e sequência narrativa ostentam originalidade e exuberância. Desde as cenas iniciais, na Inglaterra dividia do século XVII, ao exótico mundo de Port Royal e Tortuga, fortemente marcados pela presença dos homens do mar, os piratas.

 Realizado por Michael Curtiz, em 1935, o filme foi a arriscada e grande aposta da Warner Brothers em reavivar o género de aventuras. A produção custou 1.242 milhões de dólares e os cabeças de cartaz eram desconhecidos. Errol Flynn e Olivia de Havilland saltaram para o estrelato depois do êxito deste filme.

O estilo visual da realização é notável e diferente - jogos de sombras projetadas em grandes superfícies, um trabalho de detalhe de plano gerais recorrentes das sumptuosas paisagens que embelezam a história e permitem ao espetador entrar ainda mais na trama.

O Capitão Blood lidera uma tripulação de arrojados piratas aventureiros.
O Capitão Blood lidera uma tripulação de arrojados piratas aventureiros.

Curtiz usou também grandes planos interessantes e audazes durante as lutas e abordagens dos navios, com enorme destaque para o duelo que opõe Blood (Errol Flynn) e Lavasseur (Basil Rathbone) em disputa por Arabella (Olivia de Havilland). O cenário é a ilha da Virgem Magra e o confronto marca uma das mais impressionantes sequências do filme. 

Mais uma vez, Hollywood aposta numa adaptação literária. O Capitão Blood é diretamente adaptado do romance homônimo de Rafael Sabatini, um escritor muito popular no género de livros de piratas e aventuras do alto mar.

No seu primeiro grande papel, Errol Flynn brilha como Peter Blood, um médico que é acusado de traição e enviado como escravo para as colónias britânicas na Jamaica. Blood acaba a trabalhar na plantação do Coronel Bishop (Lionel Atwood), um déspota que aspira ao lugar de governador. A sua jovem e bonita sobrinha, Arabella (Olivia de Havilland) sucumbe aos encantos de Peter Blood embora não se entendam nos primeiros tempos. Pelo facto de ser médico, Peter consegue ganhar destaque entre os escravos, principalmente por ser o único que pode ajudar o governador, que sofre de um problema de saúde.

Tudo muda quando Port Royal é alvo de um ataque de piratas espanhóis. Blood e os seus colegas escravos conseguem fugir e depois de se apoderarem de um navio, dedicam-se à pirataria sobre o comando do Capitão Blood. 

Arabella Bishop (Olivia de Havilland) e Peter Blood (Errol Flynn).
Arabella Bishop (Olivia de Havilland) e Peter Blood (Errol Flynn).

O filme marca a primeira banda sonora assinada por Erich Wolfgang Korngold. Naquela época era frequente afirmar-se que os compositores de Hollywood tinham sido crianças prodígio. No caso de Korngold não é um exagero. Aos cinco anos de idade já estudava piano e teoria musical; aos nove conduziu a sua própria cantata (para Gustav Mahler) e teve o seu primeiro trabalho publicado aos treze. Era um compositor polivalente em concertos para violino e óperas. Aos trinta anos foi para Hollywood para escrever algumas notas para bandas sonoras. O Capitão Blood era uma delas. O projeto foi-lhe dado com o prazo de três dias e Korngold tudo fez para completar esta tarefa aparentemente impossível. A verdade é que 90% da música é da sua autoria, anexando alguns trechos de Liszt (a cena em que os piratas espanhóis saqueiam a cidade). Todo o ambiente musical é luxuoso e vivo. Atinge o auge nos anos seguintes com As Aventuras de Robin dos Bosques (1938) e O Gavião dos Mares (1940).

Este é o perfeito exemplo do cinema de aventuras e ninguém o faz melhor que Errol Flynn como herói de capa e espada, Olivia de Havilland como a donzela adorável e convicta, Basil Rathbone como o carismático vilão e Michael Curtiz como realizador.

Numa época dominada pelos efeitos especias e sequências a roçar a violência pura, faz sentido transcrever as afirmações do discurso de Capitão Blood para a sua tripulação:

It's the world against us and us against the world! Peter Blood

Francisco Sousa Faria da Silva 

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