No tempo dos clubes de vídeo

26-02-2018

 Para quem viveu ou cresceu nas décadas de 80 e 90, ser sócio de um clube de vídeo era perfeitamente banal. Era difícil adivinhar que os filmes iam estar à distância de um clique e que o ato de nos dirigirmos a um clube de vídeo estaria extinto nos anos vindouros.

 O que fazia parte do quotidiano transformou-se numa memória cada vez mais longínqua e nostálgica.

 Hoje é completamente diferente. Sentámo-nos no sofá e muito comodamente escolhemos um filme no videoclube digital do nosso sistema operativo de TV.

 Ir ao clube de vídeo é algo que faz parte da minha infância e que recordo com bastante agrado e nostalgia. Se não estou em erro, a primeira vez que fui devia ter 5 anos, portanto, no ano de 1993. Aqui no Porto alugava os filmes no Laser, um clube de vídeo que se situava na Rua Silva Tapada. Os meus pais foram dos primeiros clientes, na altura em que abriu, nos finais da década de 80. Ainda me recordo perfeitamente do número de sócio - 285.

 Ia lá quase todas as semanas, sempre com o mesmo entusiasmo. Por vezes trazia mais que um filme, principalmente quando o meu irmão também vinha.

 Aos fins-de-semana, no meio das brincadeiras com os amigos, festas de anos e passeios ao Parque da Cidade, havia sempre tempo para alugar um filmezinho para a noite ou para a tarde de domingo.

 Por vezes havia a pequena desilusão do novo filme não estar disponível.

  Quando estará disponível?, perguntava.

  A meio da semana. Se quiseres podes reservar, respondia-me o senhor  Armando, o dono do clube de vídeo.

 Era uma pessoa muito sociável, bem-disposto e sempre atento às solicitações dos sócios. Considero que a sua maneira de ser também contribuiu muito para a adesão de muitas famílias (tais como pais de colegas meus da escola por exemplo) e apreciadores de Cinema em geral.

 A década de 90 foi sem dúvida a era dourada do Laser e por vezes era muito complicado conseguirmos o filme mais recente. Se fosse um filme infantil ainda era mais difícil! Imaginem o que foi para conseguir alugar o filme Mighty Morphin Power Rangers, extremamente popular em 1995. A criançada (eu incluído) andava toda louca com a série dos Power Rangers que era transmitida na SIC. Quando veio o filme foi a loucura. Depois de ter estreado no cinema, não demorou muito para aparecer nos catálogos dos clubes de vídeo.

 Se bem me lembro, não o consegui alugar logo. Na altura ainda era muito novo para ir ao cinema e só vi passados alguns meses de estar disponível para aluguer.

 Eu adorava todo este processo de seleção dos filmes, ter que arranjar uma alternativa quando um filme não estava disponível, folhear as capas coloridas dos desenhos animados e a rebeldia de descobrir a secção de Terror. Quantas vezes me senti tentado a alugar o Drácula do Coppola ou O Corvo com o Brandon Lee (falecido durante as filmagens), filho do icónico Bruce Lee. Mas era impossível, o primeiro era para maiores de 16 anos e o segundo para maiores de 18!

 Contentava-me já com tom pesado e escuro que Tim Burton decidiu empregar no Batman Regressa, com Michael Keaton no papel de Homem-Morcego. Confesso que naquela altura, o personagem de Danny de Vito me dava arrepios. Por outro lado, via na Michelle Pfeiffer uma espécie de deusa grega.

 Claro que nos primeiros anos, a maior parte dos filmes que alugava eram desenhos animados, como o Aladino, Papuça e Dentuça, Pinóquio, entre tantos outros clássicos da Disney. Destaco também A Chave Mágica, Street Fighter: A Batalha Final, Mortal Combat,  Robin Hood: Herói em Collants, Jumanji, Coração de Dragão, A Máscara com o incontornável Jim Carrey, o novo e naquela altura cool Batman Para Sempre. Houve um hype muito grande com o novo Batman. Tinha Val Kilmer, Nicole Kidman, Tommy Lee Jones, Chris O'Donnell (que saltou diretamente de D'artagnan para o sidekick Robin, um papel muito cobiçado entre os jovens atores na época) e claro, Jim Carrey!

 Contudo, há dois filmes que foram os que mais aluguei durante todos os anos que frequentei o clube de vídeo - Tartarugas Ninja e Os Três Mosqueteiros.

Edições portuguesa das VHS de "Tartarugas Ninja" e "Os Três Mosqueteiros".
Edições portuguesa das VHS de "Tartarugas Ninja" e "Os Três Mosqueteiros".

 O primeiro, muito bem conseguido, com boas interpretações e com efeitos especiais inovadores para a época. É de louvar o trabalho da Jim Henson's Creature Shop na forma como conseguiu dar realismo e naturalidade às tartarugas mutantes. Nunca me cansei de o ver. Enquanto o filme Tartarugas Ninja me prendia mais pelos ensinamentos das Artes Marciais e fantasia, já Os Três Mosqueteiros apelava mais ao meu gosto pelos filmes de capa e espada. E neste eu dividia-me entre a versão de 1973 (fiel ao livro, repleto de detalhes) e a nova versão de 1993 que se destacava pelo seu dinamismo, cores e história (um pouco diferente da original).

 As VHS destes filmes passavam muitos fins-de-semana em minha casa mas era necessário ter cuidado com prazo estipulado para a entrega - dois dias. Caso prolongasse a sua estadia, pagava uma pequena multa. Geralmente entregava os filmes às segundas-feiras à tarde antes de ir para a natação. O meu pai levava-me e esperava por mim no carro enquanto ia com as cassetes debaixo do braço, ao mesmo tempo que contava os escudos.

 Naquele tempo ainda se usava o escudo, um bom tema para outra crónica.


Clube de vídeo Laser (ao centro) na primeira década do milénio.
Clube de vídeo Laser (ao centro) na primeira década do milénio.
 O Laser fechou as suas portas há já alguns anos, na mesma altura em que os clubes de vídeo por todo o mundo se ressentiram face às novas tecnologias. Agora é apenas uma boa memória.

"A memória é o essencial, visto que a literatura está feita de sonhos e os sonhos fazem-se combinando recordações." Jorge Luís Borges

 Até breve,

Francisco Sousa Faria da Silva © 2018

PS: Se por acaso se lembrarem do clube de vídeo Laser ou de outro que vos tenha marcado, partilhem as vossas experiências em comentário Facebook.

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