Animés intemporais: "Os Três Mosqueteiros"

30-12-2020

O famoso clássico literário de Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros, foi adaptado ao formato animé no ano de 1987, pelo cunho dos estúdios GALLOP, no Japão.

O animé Os Três Mosqueteiros foi desenvolvido em formato de série televisiva com o total de 52 episódios, do género de aventuras de capa e espada e contou com a participação de grandes nomes da animação japonesa. Para além da realização de Kunihiro Yuyama (mais conhecido pelo seu trabalho em Pokemón), o lendário Monkey Punch (Lupin III) também contribuiu para o desenvolvimento da série, ainda que numa fase inicial. O argumento ficou a cargo de Yasuo Tanami e os desenhos de Hatsuki Tsuji e Shingo Ozaki.

Ao contrário de Dartacão, esta versão explora um tom um pouco mais sério. 


Estilo e traço

O timing e a fluidez dos traços da animação consolidam uma tendência de desenho explorada na animação japonesa nos anos 80. Essa tendência é caracterizada pelo design das personagens, muito assente nas formas redondas das caras, narizes definidos, olhos grandes, cabelos volumosos e macios, poucos detalhes na indumentária e um acentuado tom no uso das cores.

Os resultados são interessantes e ainda mais agradáveis se tornam quando se integram nos cenários, também caracterizados pelos contrastes de cor.


Pesquisa Histórica e vida quotidiana da época

O universo de Os Três Mosqueteiros é amplo mas a pesquisa histórica é muito competente e consegue transportar o espetador para o século XVII de formas agradáveis e pedagógicas. Um dos pontos fortes para toda essa compreensão, embora adaptada aos mais jovens, é o facto de em variados episódios ser ilustrado o quotidiano daquela época.
Com naturalidade e em contexto com a narrativa, o espetador acompanha os personagens pelos costumes do dia-a-dia (a vida social, política e religiosa, a arquitetura, os contrastes entre o campo e as cidades, os hábitos domésticos da população, a gastronomia, as brincadeiras das crianças, as feiras populares, o teatro, a vida na corte, os bailes, as caçadas reais, entre tantas outras). 


A viagem do herói (D'artagnan)

O grande sonho de D'artagnan é ser mosqueteiro e servir a França. Contudo, há um longo caminho a percorrer para que consiga alcançar os seus objetivos. Um trilho longo, árduo e repleto de desafios.

A série desenvolve todas estas etapas de uma forma progressiva e claramente na estrutura do monomito, o conceito de "jornada do herói", apresentada pelo antropólogo Joseph Campbell, na primeira parte da obra The Hero With Thousand Faces.

A jornada está dividida em três partes: a partida (por vezes também chamada de separação), a iniciação e por fim, o regresso. Cada uma está subdividida em seis fases.

Na narrativa da série, é possível identificar com clareza as etapas. A partida começa quando D'artagnan deixa a Gasconha para ir para Paris com o sonho de ser Mosqueteiro.

Já em Paris, o jovem ingressa na segunda etapa - a iniciação. É interessante a forma como é feita esta iniciação porque D'artagnan não é logo aceite nos mosqueteiros. Tem de crescer e é com as amizades que trava (Athos, Porthos, Aramis, Jean, Constance) que esse amadurecimento se materializa. Com o seu sonho adiado, D'artagnan e o seu amigo Jean tornam-se comerciantes de banhos. São mesmo apelidados em Paris de "os rapazes dos banhos". Este pormenor é original da série porque na obra de Dumas, o jovem gascão não se vê nesta situação. Há pertinência nesta abordagem, até para os mais novos conseguirem perceber que os sonhos têm de ser conquistados e não dados sem qualquer tipo de esforço ou trabalho. E nesse aspeto há uma mensagem muito positiva nesta adaptação. A própria letra da canção do genérico diz isso: "Ele vai viver a lutar, para fazer melhor o amanhã. Vai querer na vida um lugar. É o D'artagnan."

A segunda parte da jornada é claramente a mais longa e onde se desenrola grande parte da narrativa da série. Neste período dão-se as mais variadas aventuras, com destaque para o famoso episódio do colar de diamantes da rainha e a viagem a Inglaterra, culminando na sexta subfase: a grande conquista (quando D'artagnan se torna mosqueteiro).

Na terceira parte da jornada, o regresso, assistimos a momentos fulcrais que vão marcar para sempre o jovem D'artagnan e que definirão a sua passagem para a idade adulta. É aqui também, com os episódios que narram o acidente de Constance, da execução da vilã Milady e o aparecimento do bandido Máscara de Ferro, que a história vai terminar. Esta última subfase chama-se liberdade para viver.


Aramis

Uma das grandes inovações da série e que contribuiu para se tornar popular foi o facto do mosqueteiro Aramis ser na realidade uma mulher. É um segredo que, apesar de revelado ao espetador logo no quarto episódio, só na fase final da série é que são apresentadas as razões que motivaram a rapariga a alistar-se no Corpo de Mosqueteiros do rei, fazendo-se passar por homem.

Foi um pormenor que ficou marcado pela mítica cena do banho em que o pequeno Jean descobre a verdadeira identidade do Aramis. Na época fez furor.


Milady e Athos

O misterioso passado do mosqueteiro Athos é um facto que passa despercebido no animé apesar de ser uma das grandes reviravoltas da obra de Alexandre Dumas. Antigo conde de la Fére, Athos ficou na ruína depois de ter casado com uma aventureira de origem inglesa - Milady, a vilã da história. 

Na série não existe nada de concreto em relação a este pormenor. No entanto, existem  alguns indícios (vagos) para quem conhece bem a história do livro mas tudo depende da interpretação de cada um. 


Em Portugal

Em Portugal, a série estreou em 1989 no Canal 1, incluído no bloco de animação de segunda-feira do programa infantojuvenil Brinca Brincando, continuando nos mesmos moldes em A Hora do Lecas, já em 1990.

Recorte do jornal Diário de Lisboa de segunda-feira, 15 de janeiro de 1990.

Um aspeto importante e que muito ajudou ao seu sucesso em Portugal, foi o elenco de atores portugueses que deram voz às personagens. Um trabalho exímio da equipa, dirigida pelo ator António Montez, que para além de fazer a voz do Cardeal Richelieu, fazia também a do narrador, apelando sempre ao espetador mais jovem para ler o romance de Alexandre Dumas.

O último episódio foi para o ar na segunda-feira, 14 de maio de 1990 no programa A Hora do Lecas

Nos anos seguintes, a série foi transmitida em reposição no programa Agora Escolha, apresentado por Vera Roquette, ocupando assim o tempo de espera enquanto os espetadores votavam por telefone nas séries que queriam ver: Bloco A ou Bloco B. No canto superior esquerdo do ecrã, a votação era acompanhada em direto. Por norma dava sempre um episódio de uma série animada enquanto decorriam as votações. Para além de Os Três Mosqueteiros, o Agora Escolha também repetiu dois animés de grande popularidade: Tom Sawyer e a Ana dos Cabelos Ruivos.


Clássico intemporal

O animé Os Três Mosqueteiros caracteriza-se pela envolvência e pelas pertinentes mensagens morais. Conjuga também de forma exímia as variadas áreas de produção, desde os desenhos, as cores, o argumento, a banda sonora, o carisma dos personagens, a pesquisa histórica e a forma honrada na adaptação do romance literário.  E por isso, à semelhança do romance de Alexandre Dumas, também esta versão animada pode ser considerada um clássico intemporal. 


Francisco Silva © 2020

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